É com profunda tristeza que acompanhamos os acontecimentos no Japão. Invariavelmente assistimos aos noticiários recheados de números chocantes e notícias cada vez mais desagradáveis. Em um passado recente acompanhamos o desastre provocado por um tremor em alto mar que gerou um tsunami onde os continentes asiático e africano foram duramente castigados. Na ocasião, foram contabilizados cerca de 180.000 mortos e mais de 50.000 desaparecidos.
Outros abalos causaram um impacto tremendo na população mundial, como o terremoto na China e principalmente o tremor no miserável Haiti. Já não bastasse as mazelas vividas por aquele povo devido as condições econômicas do país, o cismo levou consigo cerca de 200.000 vidas. A comoção global fora inevitável diante de uma legião de órfãos e desabrigados praticamente desprovidos de esperança para recomeçarem.
Sem nos determos nos inúmeros cataclismos que aconteceram no mundo nos últimos tempos, vejamos os desastres que ocorreram no Brasil atualmente. Citemos como exemplo somente o desastre ocorrido no Vale do Itajaí em 2008, as enchentes no nordeste em 2010 e os deslizamentos na serra do Rio de Janeiro no começo de 2011. A quantidade de atingidos nestes três eventos foi tamanha que os donativos chegaram de todas as partes do país em quantidades sem precedentes.
Da mesma forma que o auxílio existiu para nossos conterrâneos, o povo brasileiro se mobilizou para ajudar os que padeceram em catástrofes ao redor do mundo. Caminhões e aeronaves carregavam toneladas de donativos para as vítimas e quase que em uníssono ouvia-se em coro o comentário de que "o brasileiro é caridoso". Até aonde vai tal afirmação? Seria justo fazermos um bom julgamento de um povo que acolhe aqueles que são acometidos por tragédias esporádicas, sem dúvida comoventes, mas ao mesmo tempo se blinda contra desgraças cotidianas?
Pois bem, devemos antes de mais nada nos colocar no lugar de semelhantes nossos que sofrem dia após dia com a fome, a pobreza e sobretudo a exclusão social. Se olharmos para cada cidade no Brasil encontraremos famílias inteiras em uma situação lastimável. Muitos destes casos são acompanhados de histórias comoventes de superação diante de uma vida castigada por duros golpes que deixam chagas eternas. As vezes estas chagas habitam os corpos desses indivíduos, mas certo é que sempre a alma carrega o maior resquício do que lhes afeta.
Nas metrópoles brasileiras vemos aglomerados de casebres sem segurança, saneamento, iluminação. Nenhuma condição que possa vir a caracterizar tais locais como habitáveis. E, no entanto, um sem número de pessoas vivem nestes lugares. Nas regiões norte e nordeste apresentam-se quadros que nós, que vivemos em locais um pouco mais privilegiados, não temos idéia e muito menos paramos para meditar a respeito. A região norte abriga em seu território um grande número de pessoas que vivem a margem do rio Amazonas, desprovidas de atendimento médico próximo, sem lazer da forma como conhecemos, sem escola que possua condições de fornecer as ferramentas necessárias ao ensino daqueles que farão o futuro desta nação.
Da mesma forma, na região norte existem escolas onde os estudantes não possuem cadeiras, nem mesas, não são abrigados por teto nem parede. Sem contar os agravantes climáticos que não permitem os trabalhadores do campo exercerem suas atividades de forma satisfatória. Os que vivem em regiões urbanas podem não ser tão atingidos pelos problemas supracitados. Todavia, acredito que se não sofremos da mesma forma não quer dizer que devemos esquecer os que padecem. As duas regiões mais pobres geram uma situação vexatória para um país dito emergente e líder de América Latina.
Ausentando-se do norte ou nordeste, analisemos nossos grandes centros urbanos. Quem vive em uma capital está cansado de conviver com semelhantes nossos que habitam comunidades miseráveis, onde a perspectiva de um futuro melhor passa longe. Vítimas de uma condição social menos favorecida, não são acometidos somente pela dificuldade financeira mas também sofrem devido a um pré conceito formado pelo simples fato de residirem em um local reconhecido por problemas comuns de áreas mais pobres como o tráfico e outros crimes.
Relatar os problemas e as dificuldades de camadas sociais inferiores no Brasil nos tomaria um tempo enorme e uma fartura de páginas que não cabem em nenhum lugar. Sendo assim, baseando-se nos exemplos supracitados e em todos os outros percalços que conhecemos e acometem os brasileiros, como podemos encontrar veracidade na afirmação de que o brasileiro é, realmente, caridoso? Auxiliar as pessoas que sofrem devido ao um incidente amplamente divulgado na mídia, por mais que tenha sido uma fatalidade terrível, é muito mais fácil por nos causar uma comoção praticamente outorgada. Mas se não vemos algo deprimente através dos relatos expostos nos jornais, simplesmente não ajudamos os que necessitam?
Devemos nos colocar no lugar de todos os que vivem no nordeste, no norte, nas favelas, nas regiões mais pobres do país. Nos colocar no lugar das crianças que remam quilômetros para obter ensino, ou que caminham debaixo de um sol escaldante para receberem ensinamentos sentados nos próprios calcanhares. Devemos pensar em todos aqueles que diante de um frio rigoroso não possuem agasalho suficiente para encararem o inverno. E a todos aqueles que a fome é cruel todos os dias, mas castiga e dói mais ainda quando no dia vinte e quatro de dezembro muitos confraternizam diante de uma mesa farta e eles comem o pouco doado por alguém que possui tão pouco quanto eles.
Estas pessoas que sofrem com todos estes pesares devem sentir-se invisíveis diante da avalanche de donativos que são entregues as vítimas de catástrofes naturais. Obviamente, devemos ajudar aqueles que de forma inesperada foram castigados por desastres naturais, mas ao mesmo tempo desgraças sociais machucam nosso povo todos os dias, sem que nos demos conta. O pior é que muitas vezes nos damos conta, mas negligenciamos a situação. Com isso, os invisíveis tem que lutar contra as dificuldades da vida e contra um exército de negligentes que enxerga o problema mas não se compadece a não ser da boca pra fora. A compaixão do coração é quase nula. Que todos aqueles que nada fazem para ajudar ao próximo lembrem-se da Terceira Lei de Newton. Se a lei não agir nesta vida, a pluralidade existencial fará que a reação ocorra, mais cedo ou mais tarde.